MP da Liberdade Econômica beneficia exchanges

Em entrevista ao PanoramaCrypto, advogados do escritório Carvalho, Machado e Timm Advogados falam sobre o impacto da lei sobre as exchanges e questões relativas a tributação

Por Redação  /  28 de setembro de 2019
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A MP da Liberdade Econômica, que virou lei recentemente, vai dar maior segurança jurídica para a atuação de exchanges e outras empresas do mercado de blockchain no Brasil. A avaliação é dos advogados do escritório Carvalho, Machado e Timm Advogados (CMT), Cristiano Carvalho, Fabiane Verçosa e Rodrigo Dufloth, que concederam entrevista ao PanoramaCrypto.

No bate-papo realizado antes do evento Criptomoedas – Aspectos financeiros, tributários e regulatórios, no dia 25/09 em São Paulo (SP), eles falam também sobre a importância da sandbox regulatória, compliance, tributação e o futuro do mercado de blockchain no Brasil. Leia abaixo a entrevista, na íntegra:

Qual é o impacto da MP da Liberdade Econômica nos players do mercado crypto no Brasil, como as exchanges, que de certa forma estão numa lacuna regulatória?

Rodrigo Dufloth – O impacto é muito positivo e imediato. Ela dá aos indivíduos e entidades um embasamento legal com direitos e garantias que não existiam claramente no sistema jurídico brasileiro. Por exemplo, no que se refere à presunção de boa fé. Presunção de que o que as empresas estão fazendo está de acordo com a legislação, salvo algo em contrário. Além disso, atividades de baixo risco não necessitam de um ato público de liberação. Isso pode impactar as próprias exchanges.

Exchanges são consideradas atividades de baixo risco pela MP da Liberdade Econômica?

RD – Não há um CNAE (enquadramento) específico para a atividade de criptomoedas. Elas se enquadram em CNAEs mais genéricos, como intermediação de negócios. E esses CNAEs são considerados atividades de baixo risco. Isso inclusive tem um impacto tributário.

Cristiano Carvalho  – Todas as análises jurídicas hoje no mercado de cripto são por aproximação. Nesse sentido, a MP da Liberdade Econômica beneficiou as exchanges com alguns princípios que já deveriam existir na legislação, como os que o Rodrigo citou. Dessa forma, por aproximação, podemos considerar que as exchanges são atividades de baixo risco. No entanto, no terreno tributário não existe quase nada muito concreto em relação às criptomoedas. Basicamente existe a tributação por ganho de capital para a pessoa física ou pessoa jurídica e as obrigações acessórias para as exchanges. Nesse sentido, por aproximação poderíamos inferir que as exchanges seriam tributáveis por Imposto sobre Serviços. No entanto, pelo princípio da legalidade tributária tem que haver uma norma específica para tributar uma atividade. E o código tributário proíbe a tributação por analogia.

Fabiane Verçosa – Um ponto importante também da MP da Liberdade Econômica é a questão da intervenção mínima do Estado sobre a atividade econômica.

Nesse contexto também está a sandbox regulatória proposta pela CVM, como vocês viram isso?

RD – A sandbox é uma saída estratégica, tanto para o regulador quanto para o regulado. Pois ela cria um ambiente de teste com alguns players do mercado e ao mesmo tempo o regulador consegue aprender mais sobre aquele negócio específico. E pode até editar normas melhores posteriormente. O Banco Central também está considerando a estruturação de uma sandbox dentro do contexto de um movimento de open banking mas que certamente vai afetar o mercado de criptomoedas.

Vocês acham que o que foi proposto pela CVM está dentro das melhores práticas mundiais?

RD – Há vários modelos de sandbox, mas certamente esse está alinhado com padrões internacionais. Mas ainda assim, é tudo muito novo. Estamos criando a regulação aqui por meio dessa sandbox.

Em nível mundial, a FAFT fez recomendações de compliance para os players do mercado, o que vocês acharam dessas recomendações?

FV – Cada vez mais a gente percebe que as diretrizes sempre covergem. No entanto, no Brasil a regulação é mais estrita. E como não foi definido ainda o que pode ou não fazer, a gente tem que ter muita cautela de como atuar. Ou seja, somos mais rígidos que outros países. No exterior, se a empresa faz um bom KYC, isso a exime da responsabilidade por atos ilícitos cometidos por um indivíduo que passou por esse processo. Aqui no Brasil, quando tratamos dessa questão de evasão de divisas, corrupção, etc, toda a cadeia pode ser responsabilizada. Então as empresas no Brasil têm de ser muito mais cautelosas.

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E mesmo a MP da Liberdade Econômica não endereça  isso, certo?

FV – Ainda é tudo muito novo. Ela vai facilitar, mas a gente nunca sabe como vai ser o tratamento na prática. As palavras de ordem para as empresas são transparência, cuidado e gestão de risco para evitar ao máximo ter problemas depois.

CC –É uma questão de conservadorismo saudável.

Com relação à Receita Federal, o que vocês acham que ela vai fazer com as informações prestadas pelas exchanges por determinação das IN 1.888 e 1.889?

CC – Eles não têm a menor ideia do que vão fazer. Antes de mais nada, eles querem ter as informações para depois descobrir o que fazer com elas. É mais uma questão de controlar e ter a informação. Qualquer tributação além daquela de ganho de capital que eu falei não está bem definida. Até por que é um momento complicado. Tem uma reforma tributária a caminho que ninguém sabe como vai ser. O secretário Marcos Cintra que era um dos grandes fiadores saiu há pouco tempo e está tudo indefinido.

Como vocês estão vendo a iniciativa do Banco Central de anunciar que vai usar a blockchain para sistemas de pagamento?

RD – Há uma tentativa do Bacen de entender maquininha de cartão, POS, etc. Certamente, em breve não vai ter mais maquininha. Nesse caso, o Bacen também está conversando muito com os players do mercado para tentar entender a regulação. Os reguladores não sabem muito o que fazer. Aqui a gente vê a necessidade de normativas em tempo muito menor.

CC – Um exemplo é o Uber, surgiu há poucos anos e o regulador teve que correr atrás da tecnologia. Hoje é uma coisa que ninguém nos grandes centros vive sem. Os criptoativos ainda têm relativamente pouca presença no dia a dia. O regulador ainda não se atentou para isso.

RD – Na China, onde é usado muito QR Codes para pagamento, muitas empresas não estão mais aceitando pagamento em dinheiro. A ponto de o governo chinês soltar um comunicado falando que as empresas têm de aceitar dinheiro.

Como vocês veem o mercado de blockchain no Brasil nos próximos cinco anos?

CC – A reforma tributária pode dar um impulso para esse mercado. Caso a proposta da criação de um imposto sobre pagamento passe (o que as pessoas estão chamando erradamente de nova CPMF), pessoas e instituições podem se sentir incentivadas em usar criptomoedas para pagamentos, de forma que não sejam taxadas. Você imagina isso numa cadeia de pagamentos na indústria. A não ser que o governo consiga criar um jeito de taxar essas operações na blockchain, o que hoje é virtualmente impossível. Tecnologicamente o governo teria que controlar as exchanges.