Enquanto o mercado das criptomoedas avança, a regulação do setor no Brasil está ficando para trás. Até hoje, o país não tem uma regulamentação para as moedas digitais, limitando-se a duas normativas da Receita Federal. Ao passo que países como a Suíça aprovam a regulação para criptomoedas, há projetos de lei para o setor no Brasil há mais de um ano no Congresso.
Em abril de 2019, o deputado Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ) apresentou o projeto de lei 2060/2019 para estabelecer uma série de regras para criptoativos. Ele cria definições para estes ativos, além de determinar quem é considerado intermediador.
Conforme o texto, a pena para o crime de “pirâmide financeira” aumentaria. Em vez de prisão de seis meses a dois anos, como consta na Lei de Economia Popular, esse tempo passaria para de 1 ano a 5 anos. Além disso, inclui no Código Penal o crime de emitir título ao portador sem emissão legal. Neste caso, a pena pode ir de 1 a 6 meses ou pagamento de multa.
O projeto já tramitou em comissões e no plenário, mas ainda não passou ao Senado. A última atualização no site da Câmara é de junho do ano passado.
Já o projeto do senador Flávio Arns (Rede-PR), prevê, por exemplo, prisão por até 12 anos em caso de fraudes, e a necessidade de aval do Banco Central para as operações. Além disso, o projeto define que os criptoativos só serão fiscalizados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) quando houver algumas operações específicas, como ofertas iniciais.
O PL 3825/2019 foi apresentado em julho de 2019. Porém, a decisão mais recente relativa a ele é de abril de 2020, informa o site do Senado. Na ocasião, o plenário aprovou que ele tramitasse junto do PL 3949/2019, já que os dois tratam do mesmo assunto.
Empresas têm regras a cumprir
Em agosto de 2020, a senadora Soraya Thronicke (PSL-MS) apresentou um projeto de lei também visando à regulamentação do mercado de criptomoedas e outros ativos virtuais no Brasil. O texto sugere, segundo a Agência Senado, que se crie um comitê interministerial para acompanhar e monitorar o setor. Ele ainda define o BC e a CVM como responsáveis por regular e supervisionar o mercado.
“A lei brasileira não impede a atuação do particular sobre aquilo que ela não proíbe expressamente”, explica Julian Lanzadera, head of Business Development da Transfero Swiss. E acrescenta: “Esse princípio constitucional da livre iniciativa foi, inclusive, solidificado com a MP da Liberdade Econômica”. Após aprovação no Senado, a medida provisória 881/2019 seguiu para a sanção do presidente da República, Jair Bolsonaro, e se tornou lei.
“Não quer dizer que, por haver essa lacuna, outras normas não devem ser observadas”, lembra o executivo. Ele cita como exemplo, a know-your-cliente (conheça seu cliente), as regras de combate à lavagem de dinheiro e a boa-fé.
Além disso, ele ressalta que o que o que não está claro em termos de regulação são as operações das empresas, a atividade econômica em si, mas que há outros códigos que preveem a proteção das partes.
“Se eu pactuo de negociar uma quantidade de bitcoin, mas descumpro, eu tenho que indenizar a outra parte, isso está no Código Civil”, ressalta. “O Código Penal prevê estelionato, por exemplo. Então não é que não exista proteção a quem negocia”, complementa.
À espera de regulação de criptomoedas no Brasil, associação cria regras próprias
Enquanto a lei não sai, a Receita Federal lançou duas instruções normativas (IN) no para o setor no ano passado. Pela IN 1.888, é necessário reportar todas as transações com moedas virtuais ao governo. Assim, as corretoras passaram a ter de informar à Receita todas as operações de seus clientes, como nomes, valores, datas e taxas pagas. Mas a regra não vale apenas para empresas, e inclui as pessoas físicas que operam sem o auxílio de corretoras. No entanto, nesses casos, só é necessário informar caso as transações superem R$ 30 mil em um mês. Já a IN 1.889 apenas aperfeiçoa alguns pontos relativos às informações prestadas.
“O país perde porque a segurança jurídica na realização das operações é menor. Algumas empresas, por questões estatutárias e por um nível de institucionalidade maior, às vezes só têm autorização para investir e abrir negócios em países com clareza regulatória. Mas há pontos claros, como a declaração de Imposto de Renda”, diz, em referência às instruções normativas da Receita Federal.
Para o executivo, as normativas da Receita são até mais duras com as exchanges que com as corretoras de valor. “Corretoras de valor não têm que apresentar nada para a Receita, já a exchange precisa comunicar toda e qualquer operação”, diz.
A Associação Brasileira de Criptoeconomia (ABCripto), no entanto, não esperou e lançou este ano um código de autorregulação. O objetivo com isso é dar mais segurança para o investidor, disse o diretor-executivo da associação, Safiri Felix, em entrevista ao PanoramaCrypto. Os fundamentos do código incluem, por exemplo, livre concorrência, prevenção a fraudes, lavagem de dinheiro e corrupção. Ademais, aborda o controle da informação e confidencialidade.
Regras crypto pelo mundo
No exterior, por outro lado, há países com legislação estabelecida há mais tempo, e outros que estão aprovando regras agora. A Suíça, por exemplo, aprovou este mês mudanças na lei para se adequar à realidade do mercado de criptomoedas. Entre os pontos que sofreram mudanças estão as regras de falência.
Enquanto isso em Hong Kong, o governo publicou regras para dar licença a exchanges de criptomoedas em novembro de 2019. O objetivo, noticiou a Reuters, é melhorar a regulação e evitar fraudes. Dentro da nova lei, a OSL Digital se tornou a primeira plataforma de negociação de criptoativos a obter aval inicial para operar em Hong Kong.
Já nos EUA, as regras variam conforme o estado, e mesmo os órgãos federais tem suas próprias leituras. Embora não sejam proibidas, as criptomoedas ainda não estão integradas à estrutura financeira do país, lembra o CoinTelegraph. Mas, desde 2013, o país vê as plataformas de negociação de criptomoedas como operadores de serviços. Já os tokens são “outras propriedades” que substituem moedas. E, este ano, a ICE, órgão de alfândega e imigração, criou uma forma de rastrear atividade crypto sem licença. Além disso, propôs um Programa de Inteligência de Criptomoedas para 2021.