Países com regulamentações mais flexíveis e dinâmicas em relação ao mercado blockchain tendem a sair à frente da concorrência. Suíça, Japão e, mais recentemente, o Brasil, são alguns exemplos onde os novos modelos de governança digital estão ganhando notoriedade. Os tokens baseados em ativos reais (RWA) têm chamado a atenção das empresas por algumas razões – e geram otimismo, segundo Anna Lucia Berardinelli, sócia do Villemor Amaral Advogados.
Imóveis, commodities e outros bens de valor podem ser divididos em partes muito pequenas, tornando-os mais acessíveis a outros públicos-alvo. Além disso, a segurança oferecida pela tecnologia ultrapassa qualquer outro modelo criptográfico atual, o que é importante para manter a saúde financeira tanto das empresas quanto dos consumidores.
O principal foco regulatório relacionado a RWA
De maneira simplificada, o processo de distribuição dos tokens é o assunto que mais chama atenção das autoridades. No entanto, o motivo não se refere exatamente às práticas anticoncorrenciais, mas sim ao fato de se tratar de um mercado em desenvolvimento, com tecnologias novas sendo integradas a cada momento.
Cada blockchain possui características particulares, o que torna a compreensão por trás de cada uma delas um desafio. Apesar de a Ethereum ser a maior e mais utilizada globalmente, existem muitas outras que estão em ascensão, como Solana, Polkadot, TRON e Cardano.
Anna Lucia mencionou a presença das associações de empresas ligadas à tecnologia blockchain, como a ABCripto e a ABToken, e a sua importância na construção de um entendimento técnico entre as autoridades regulatórias e participantes do mercado.
Apesar da visão otimista, a especialista mencionou que alguns pontos exigem cautela. Um deles é um anteprojeto de lei, do deputado Lafayette de Andrada, que pode afetar diretamente as normas regulatórias em atuação no Brasil.
“A CVM foi um pouco mais rápida no sentido de trazer uma acomodação transitória (para as empresas), mas está demorando um pouco em relação às consultas públicas”, pontuou. Segundo ela, caso o anteprojeto seja aprovado pelo governo, boa parte dos esforços das associações e do próprio Estado seriam minados, pois há alguns erros terminológicos no documento que podem induzir ao erro no momento da aplicação de regras.
Livre concorrência e atuação dos órgãos reguladores
No Brasil, a preservação da livre concorrência no setor cripto tem sido tratada com atenção pelas autoridades competentes. Segundo Anna Lucia, tanto o Banco Central quanto o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) acompanham de perto os desdobramentos do mercado e têm buscado identificar potenciais riscos à competitividade.
Um exemplo recente foi a Tomada de Subsídios lançada pelas autarquias, com foco na estrutura dos arranjos de pagamento e no papel de grandes players globais que, embora se autodefinam como “provedores de tecnologia”, exercem influência significativa sobre o mercado e concentram posições relevantes.
A iniciativa reforça o papel institucional do Banco Central na defesa da concorrência, ainda que de forma indireta, e demonstra um esforço consistente das autoridades brasileiras para garantir um ambiente competitivo e equilibrado, mesmo diante das rápidas transformações do setor.
Nos Estados Unidos, embora existam instrumentos regulatórios robustos e agências com competência clara para a proteção da concorrência, observou-se uma certa demora na definição de marcos regulatórios específicos para criptoativos. Essa lacuna regulatória pode, de forma não intencional, ter favorecido a consolidação de posições dominantes por parte de grandes instituições financeiras tradicionais, que tiveram tempo para se posicionar frente aos novos entrantes.
Ainda que se trate de um cenário complexo e que englobe múltiplos fatores, a experiência norte-americana serve de alerta sobre os possíveis efeitos de uma regulação tardia — especialmente em setores altamente inovadores, onde o tempo de resposta institucional pode afetar a dinâmica competitiva.
“Algo do tipo parece improvável de acontecer no Brasil”, conclui Anna Lucia, destacando o comprometimento das autoridades nacionais com a promoção de um mercado mais aberto e plural.
Cenário atual é convidativo às empresas estrangeiras
Se tanto o Bacen quanto a CVM continuarem seguindo pelo caminho atual, é esperado que empresas internacionais solicitem registro para poderem operar no país. Isso porque a modelagem regulatória em progresso é, em partes, baseada em conceitos bem-sucedidos já existentes noutros países.
De certa forma, o Brasil já possui um consenso sobre quais são as práticas de mercado mais saudáveis. Embora existam opiniões divergentes a respeito do tema, elas tendem a ser ofuscadas pela presença de debates técnicos e críticas construtivas realizadas por iniciativas de autorregulação. Estas se comunicam diretamente com o governo para que haja um entendimento mútuo e orgânico constantemente.
Para tanto, trabalhos educacionais estão sendo desenvolvidos juntamente com a esfera pública para que tanto empresas quanto usuários entendam de que forma as criptomoedas, tokens não fungíveis (NFTs) e RWA podem fazer parte do cotidiano. “Dessa forma, o Congresso terá uma visão mais clara e objetiva sobre a pauta, evitando que certos retrocessos ocorram”, comentou Anna Lucia.
Falhas de compreensão sobre a tecnologia blockchain existem, inclusive, entre usuários avançados, e faz sentido buscar esclarecimento do Poder Legislativo.