Todo negócio precisa que as atividades funcionem em conformidade com os seus objetivos. É exatamente esse o significado de compliance. O conceito se refere a um conjunto de normas e procedimentos que buscam garantir que a empresa atue conforme a legislação, as normas internas e padrões éticos aplicáveis às atividades.
Devido à inovação constante trazida pelo universo blockchain, tanto governos quanto empresários trabalham ativamente para a construção de um ecossistema sustentável. Novos modelos de negócios podem ser abraçados, desde que adotem medidas sólidas e específicas para proteger os interesses dos usuários.
O PanoramaCrypto entrevistou Wallace Bomfim, coordenador de compliance da Transfero, que trouxe informações a respeito do cenário regulatório atual e uma visão geral sobre as melhores práticas a serem adotadas. Acompanhe os principais trechos da conversa.
Como o senhor avalia o atual estágio de regulamentação do mercado de criptomoedas no Brasil e no mundo?
O Brasil foi pioneiro até mesmo em comparação a muitos outros países de economias avançadas ao aprovar o Marco Legal de Prestadores de Serviços de Ativos Virtuais, a Lei 14.478/2022. Contudo, o processo de regulamentação está demorando mais tempo do que o mercado no geral previa para que as empresas do setor pudessem se registrar e operar de forma licenciada. Estamos muito otimistas com a qualidade técnica que o Banco Central tem conduzido a iniciativa de regulação do setor, demonstrando grande preocupação em apresentar uma regulação que promova a competição e não acabe por concentrar a atividade em grandes players tradicionais.
Quais os principais desafios e oportunidades que essa regulamentação traz para o setor?
As entidades estão olhando o mundo cripto com um escopo muito tradicional: quando você coloca esses bancos tradicionais ao lado das empresas blockchain, elas ficam desfavorecidas em vários sentidos, inclusive o orçamentário. Muitas delas sequer têm porte financeiro para investir numa série de frentes necessárias para o seu sucesso.
Quais são as principais medidas de compliance que as empresas do setor de criptomoedas devem adotar para operar de forma segura e transparente?
A principal medida, sobretudo contra lavagem de dinheiro, é a execução adequada de due diligence. É preciso montar o perfil do cliente sob uma ótica de compliance, contendo informações cadastrais, financeiras, consultas nas principais listas de sanções, PEP, mídias negativas, processos judiciais, bem como avaliar também os beneficiários finais. É preciso garantir que aquele perfil (do cliente) é adequado. Depois, esse cliente precisa receber uma classificação de risco clara para respaldar todos os envolvidos.
Precisamos sempre lembrar que o nosso player trabalha tanto com moeda fiduciária quanto com cripto. Esses cuidados são necessários para manter a integridade do negócio. Não vejo diferença em relação às medidas e práticas nesse sentido, uma vez que due diligence é uma necessidade-chave para a sustentabilidade do mercado de forma geral.
Como o compliance pode garantir a proteção dos consumidores de criptomoedas, especialmente em relação a fraudes e golpes? Quais os principais mecanismos de proteção que devem ser implementados?
Eu diria que tem muito a ver com a identificação adequada. Vemos muitos problemas de roubos de celulares, nos quais pessoas perdem o acesso aos seus dados. O monitoramento transacional também é fundamental, pois garante que o cliente está operando dentro do seu perfil organizacional.
Caso haja mudanças de rotina financeira repentinas, é preciso levantar uma bandeira vermelha em relação a esse tipo de comportamento, analisando-a de forma a evitar roubos e fraudes de várias naturezas. O universo das criptomoedas é saudável, mas é preciso trabalhar pesadamente na educação dos usuários para que eles não se tornem vítimas de falsas promessas.
O departamento comercial da Transfero está trabalhando em uma estratégia para a educação dos clientes, de forma que eles sejam capazes de realizar operações de forma segura e, ao mesmo tempo, aderentes às práticas de compliance desempenhadas pela empresa.
Quais são os principais desafios e oportunidades para a integração do mercado de criptomoedas com o mercado financeiro tradicional?
Pode-se ampliar a sua capacidade de vendas e de negócios de maneira exponencial. Por exemplo, na Zona Sul do Rio de Janeiro, existem vários estrangeiros, os quais podem realizar pagamentos por meio de criptomoedas. Incorporar sistemas de pagamentos que se comunicam tanto com moedas fiduciárias como ativos digitais ajuda a escalar os negócios.
Como a regulamentação pode facilitar essa integração?
Em relação à regulamentação, é mais provável que os grandes players tenham muito mais desafios que as fintechs. Embora os pequenos empreendedores geralmente comecem com um pequeno portfólio para se desenvolverem de maneira sustentável, eles conseguem, na maioria das vezes, executar técnicas de compliance de maneira mais manual e acessível. Escalar as operações em grandes empresas, por outro lado, exige um cuidado mais delicado com a escalabilidade dos seus mecanismos internos de controle.
Como as empresas do setor de criptomoedas podem implementar práticas de governança corporativa sólidas e transparentes?
A governança corporativa visa conceder meios como transparência e segurança para todas as partes interessadas, direta ou indiretamente. Quando eu digo que me preocupo com as partes interessadas, elas precisam entender como o negócio está caminhando, de que forma avança, etc. Sinto falta, dentro do universo blockchain, de empresas que emitam mais relatórios em relação às suas atividades, informando aos seus clientes e acionistas como as coisas estão sendo desempenhadas.
Quais os principais desafios nesse sentido?
Sinto muita falta da presença de comitês internos, que servem de assessoramento para boards, C-levels e tantos outros especialistas. Os prós e contras das decisões levantadas são entendidos e solucionados de maneira muito mais ágil e descentralizada. Uma vez que lhe mostro o que está acontecendo, a sua operação tende a escalar muito mais e de maneira orgânica.
Como as empresas podem mitigar os riscos associados ao mercado de criptoativos? De que forma o cenário regulatório pode proporcionar um ecossistema saudável?
No Brasil, há a Lei 14.478/2022 que regula o mercado de criptoativos. Porém, ainda não existe uma regulamentação pelo Bacen do texto em questão. Players sérios estão criando mecanismos próprios para mitigar esses riscos, como conteúdos educacionais, políticas de prevenção a fraudes e lavagem de dinheiro, monitoramento de transações, entre outros.
Programas de avaliação de riscos são fundamentais para saber o grau de exposição no qual as empresas estão, adotando medidas pertinentes para garantir a saúde do ecossistema financeiro para todos. A utilização de canais de denúncias deve ser fomentada, pois, por meio deles, negócios de todos os portes podem elaborar ações para sanar os problemas dos usuários e, ao mesmo tempo, passar uma imagem positiva sobre a postura da empresa mediante imprevistos.
Poderia citar alguns casos de uso da tecnologia blockchain que já estão sendo explorados no mercado brasileiro e mundial? Como o compliance pode incentivar a adoção dessas tecnologias em diferentes setores da economia?
O Transfero Checkout é um produto lançado recentemente no qual, basicamente, o vendedor pode receber o seu pagamento em cripto de maneira simplificada. Basta aproximar o smartphone ou o cartão físico na maquininha e, durante a validação do pagamento, o valor pago em ativo digital é automaticamente convertido em reais.
Qualquer venda, independentemente do valor, é importante demais para ser perdida. Não há porque não adotar sistemas de pagamento e receber criptomoedas como meio de pagamento. O Bacen tem uma série de regras que devem ser cumpridas para que as carteiras de investimentos dos clientes não sejam afetadas. Afinal, o propósito da autarquia é manter a saúde do ecossistema, desde que as medidas adotadas sejam seguidas.