DeFi x CeFi: as duas economias podem coexistir em harmonia?

O universo financeiro centralizado e o descentralizado podem dividir o mesmo espaço? Entenda as possibilidades e o que já está sendo feito.

Por Rafael Motta  /  13 de setembro de 2024
Imagem gerada por Inteligência Artificial (Freepik Pikaso) Imagem gerada por Inteligência Artificial (Freepik Pikaso)
A partir do lançamento do bitcoin em 2009, a descentralização financeira ganhou destaque, dando origem a dois paradigmas: as finanças descentralizadas (DeFi) e as centralizadas (CeFi). Enquanto a DeFi busca eliminar intermediários por meio de contratos inteligentes e soluções autônomas, a CeFi opera sob a regulação de instituições financeiras tradicionais, oferecendo segurança e estabilidade. Apesar das aparentes divergências, ambos os modelos podem coexistir e se complementar, promovendo inovação, serviços diversificados e maior segurança no sistema financeiro global, além de uma regulamentação clara que beneficia tanto os usuários quanto as instituições.
Resumo supervisionado por jornalista.

Desde o dia 3 de janeiro de 2009, com o lançamento do bitcoin (BTC), o mundo passou a colocar à prova uma das principais teses do economista Friedrich Hayek: a descentralização da economia. O whitepaper do ativo digital em questão deixa isso claro, uma vez que ele permite transações sem a necessidade de intermediários, introduzindo as finanças descentralizadas (DeFi) para o mundo.

Vários ecossistemas blockchain foram lançados desde então, abrindo espaço para soluções cada vez mais robustas e personalizadas de pagamento. Muitas delas foram construídas de maneira descentralizada, sem uma ligação direta com os meios financeiros tradicionais.

As finanças descentralizadas (DeFi) e as centralizadas (CeFi) são duas vertentes que, à primeira vista, podem parecer completamente opostas. No entanto, elas compartilham algumas similaridades.

O que é DeFi?

DeFi é a abreviação de Decentralized Finance. Trata-se de um movimento que busca revolucionar o sistema financeiro, eliminando a necessidade de intermediários tradicionais, tais como bancos e demais instituições financeiras. Sendo assim, qualquer pessoa com o conhecimento técnico necessário pode desenvolver e oferecer soluções voltadas à economia descentralizada.

A base deste ecossistema são os smart contracts (contratos inteligentes), códigos autônomos que se auto executam mediante parâmetros pré-estabelecidos. Eles costumam rodar em blockchains como o Ethereum e permitem o desenvolvimento de inúmeros produtos e serviços, tais como exchanges descentralizadas (DEX), derivativos, stablecoins, empréstimos, entre outros. Alguns exemplos são Compound e dYdX.

Por meio de modalidades como staking, yield farming, lending, borrowing e tantas outras, investidores podem fazer aplicações a fim de obter dividendos e garantir a segurança da rede, promovendo a saúde do ecossistema. A própria comunidade é responsável por desenvolver as cotações dos ativos, sem nenhum controle governamental por trás das operações de compra e venda.

Muitas destas soluções são intercambiáveis e isso significa que, em alguns cenários, pode-se negociar tokens entre blockchains distintas. Isso é possível por conta das bridges, que são contratos inteligentes moldados para bloquear os tokens na blockchain de origem, recebendo uma representação desses tokens (conhecidos como wrapped tokens) na blockchain de destino.

Leia mais: Wrapped bitcoin: como funciona o token do BTC?

O que é CeFi?

Centralized Finance é a dinâmica do mercado financeiro tradicional. Os ativos fiduciários são emitidos pelos bancos centrais dos respectivos países, além de serem totalmente regulados e controlados pelas mais variadas autoridades. 

Bancos, corretoras e outros intermediários financeiros precisam de autorização prévia para oferecer os seus produtos e serviços, tais como ações, futuros, empréstimos, seguros, factoring, entre outros.

Vários mecanismos são criados para evitar crimes envolvendo a economia, como pirâmides financeiras, evasão de divisas e lavagem de dinheiro.

Apesar de o ecossistema cripto ter como característica a descentralização, há estruturas centralizadas atuando nesse universo, como as exchanges centralizadas, por exemplo, Binance, Coinbase e Trasfero App. Essas instituições devem seguir as regras definidas por órgãos reguladores, como o procedimento Know Your Customer (KYC) e outras políticas para prevenir crimes. 

Os dois universos podem coexistir?

Os dois modelos econômicos (DeFi e CeFi) não precisam atuar como adversários um do outro. Pelo contrário: a presença de ambos pode proporcionar benefícios para o sistema financeiro global. Eis alguns exemplos:

Inovação mútua

A DeFi traz consigo uma bagagem em relação à inovação nos meios de pagamento, processamento de dados e transparência. Isso pode incentivar os bancos e outras instituições tradicionais a desenvolverem produtos cada vez mais eficientes e personalizados.

JPMorgan Chase, Santander, HSBC, Citibank e Banco do Brasil são apenas alguns exemplos de instituições bancárias que estão substituindo seus sistemas antigos por soluções blockchain mais ágeis e escaláveis.

Da mesma forma, a CeFi pode garantir um pouco mais de estabilidade e segurança para os investidores, sobretudo em momentos acentuados de crise. 

Serviços complementares

Enquanto a DeFi se destaca por oferecer a negociação de tokens e empréstimos sem garantias, as finanças centralizadas ainda são meios eficazes quando o assunto é custódia de ativos e gestão de patrimônio.

Essa complementaridade de serviços pode ser muito benéfica para os usuários, tendo em vista o grande número de golpes que são aplicados todos os anos por meio de plataformas descentralizadas.

Aumento na segurança

A tecnologia blockchain é mundialmente conhecida por conta do seu alto grau de segurança. Ela pode ser empregada nas instituições financeiras a fim de evitar vazamentos de dados e transações fraudulentas.

Em 2017, a Equifax, uma das maiores empresas de dados de crédito dos EUA, sofreu um dos maiores vazamentos de dados da história: cerca de 147 milhões de consumidores tiveram os seus dados pessoais expostos. O FBI declarou suspeita que hackers chineses estiveram envolvidos no episódio.

O mesmo aconteceu em 2019, com a Capital One, uma das maiores instituições financeiras do país. Um vazamento de dados colocou 100 milhões de usuários à mercê de cibercriminosos.

Por conta desses e de tantos outros problemas de exposição de dados, boa parte das instituições estão adotando soluções com as tecnologias mais recentes. 

Questões regulatórias

Uma regulamentação clara e eficiente, tanto da DeFi quanto da CeFi, podem garantir a todos os envolvidos a proteção e a segurança necessárias para a construção de um ecossistema diversificado e saudável.

No Brasil, a Lei nº 14.478/2022 entrou em vigor no dia 21 de dezembro de 2022 com a finalidade de definir o que são ativos virtuais e de que maneira as prestadoras de serviços de ativos virtuais (VASPs) devem operar. A legislação também estipula penas para crimes cometidos contra os consumidores.

Já em 2023, foi aprovada a Regulamentação dos Mercados de Criptoativos (MiCA), na União Europeia (UE). Todos os países pertencentes ao bloco econômico devem seguir diretrizes específicas para a aceitação e utilização de serviços financeiros descentralizados desde então.

El Salvador, na América Central, tomou uma decisão histórica no dia 7 de setembro de 2021, quando o presidente Nayib Bukele anunciou que o bitcoin se tornou uma das moedas oficiais do país. A partir de então, todos os comércios e empresas são obrigados a aceitar a criptomoeda como meio de pagamento.

E qual a situação atual?

Uma quantidade considerável de nações está abraçando o universo cripto. No entanto, a maior parte está adotando uma postura mais conservadora para garantir que todos os envolvidos sejam agraciados.

Nesse contexto, o universo DeFi coexiste com o CeFi, uma vez que não são modelos econômicos excludentes e podem, em conjunto, proporcionar um cenário econômico mais eficaz, inovador, seguro e acessível.