Banco Central abre consultas públicas sobre Provedoras de Serviços de Ativos Digitais

Após lançamento de minuta de resolução, Bacen abriu consulta pública no site oficial

Amanda Sixel  /  14 de novembro de 2024
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Em um movimento de aproximação com o mercado cripto, o Banco Central divulgou no site oficial sobre as consultas públicas n° 109 e 110 no dia 08/11. O objetivo é receber comentários sobre a minuta de resolução (“Resolução”) e analisar como se daria a eficácia deste normativo, na prática. 

A Resolução disciplina sobre a constituição e funcionamento das “prestadoras de serviços de ativos virtuais” (PSAVs), e a proposta do Conselho Monetário Nacional sobre cobrança de tarifas pelos serviços destas instituições.

Após a análise do Banco Central sobre os insights obtidos com as consultas públicas, que ficarão abertas para comentários até o dia 07 de fevereiro de 2025, a Resolução poderá ser alterada. 

Dentre diversas importantes novas definições introduzidas ao mercado pela Resolução, destacam-se algumas abaixo:

Divisão em modalidades

Divisão das Prestadoras de Serviços de Ativos Virtuais em 03 modalidades:

  1. Intermediárias de ativos virtuais;
  2. Custodiantes de ativos virtuais; e
  3. Corretoras de ativos virtuais.

Definição de objeto social para cada uma dessas modalidades. Além da definição de um objeto social para cada uma dessas modalidades, estipulou-se também que as corretoras de ativos virtuais ficam autorizadas a acumularem em seu objeto social as atividades das intermediadoras e das custodiantes de ativos virtuais. Por sua vez, as intermediárias e custodiantes estão vedadas de acumularem atividades de outras modalidades que não as próprias atinentes aos seus respectivos objetos sociais.

O Banco Central também permitiu a cumulação das licenças de intermediação e custódia de ativos virtuais para algumas instituições autorizadas a funcionarem pelo órgão, como:

  • Bancos comerciais; 
  • Bancos de investimentos; 
  • Bancos múltiplos; 
  • Caixa Econômica Federal; 
  • Sociedades corretoras de títulos e valores mobiliários; 
  • Sociedades distribuidoras de títulos e valores mobiliários. 

Embora o regulador tenha ampliado a possibilidade de oferecimento dos serviços de ativos virtuais por entidades reguladas, aumentando a competitividade do setor, poderia ainda existir uma extensão dessa autorização às instituições de pagamento que já possuem um arcabouço legal e regulatório vasto para contribuir com as prestadoras de serviços de ativos virtuais na prestação de seus serviços, gerando maior celeridade e redução de custos neste processo. 

Capital social e patrimônio

Estabelecimento de capital social integralizado (“CS”) e de patrimônio líquido mínimo (“PL”) para as prestadoras.

  • Intermediárias de ativos virtuais: atuantes exclusivamente nesta modalidade deverão possuir ao menos R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) de CS integralizado e PL;
  • Custodiantes: atuantes exclusivamente nesta modalidade deverão possuir ao menos R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais) de CS integralizado e PL; 
  • Corretoras: atuantes exclusivamente nesta modalidade deverão possuir ao menos R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais) de CS integralizado e PL. 

Ainda, as prestadoras que ofertarem operações de margem e staking deverão possuir um adicional de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais) de CS integralizado e PL, além do patrimônio já exigido conforme a modalidade de prestação de serviço. 

Tais requisitos evidenciam a intenção do regulador de promover maior garantia e segurança para o mercado, investidores e outros players do sistema financeiro, garantindo que as empresas teriam recursos disponíveis para adimplir com algumas de suas obrigações assumidas. Este mesmo requisito também já é observado no mercado tradicional, em outras instituições autorizadas a operarem pelo Banco Central, como as próprias instituições de pagamento. 

Cumprimento das regras relacionadas ao mercado de câmbio 

Todas as prestadoras de serviços de ativos virtuais que praticarem ou intermediarem operações no mercado de câmbio relacionadas a esses ativos virtuais, deverão atender as disciplinas do mercado de câmbio. 

Com essa nova obrigação, muitos players do mercado que hoje realizam operações de cross border precisarão se adequar as normativas do mercado de câmbio para garantir a conformidade de suas operações, implementando estratégias para, ao mesmo tempo, evitar a perda de celeridade na realização dessas transações – que é, atualmente, um dos grandes diferenciais das prestadoras de serviço de ativos virtuais. 

Obrigatoriedade de oferecimento de contas de pagamento

Tanto as prestadoras de serviço de ativos virtuais na modalidade de intermediárias, quanto corretoras, terão a obrigatoriedade de ofertarem contas de pagamento, devendo seguir a regulamentação específica que disciplina estas contas. 

Outros pontos sobre as VASPs

Por sua vez, a Consulta Pública BCB n° 110 dispõe sobre o processo de autorização para as VASPs. 

O processo de autorização, entrada e saída das prestadoras de serviços de ativos virtuais – que também regulamentará as autorizações de corretoras de câmbio e corretoras e distribuidoras de títulos e valores mobiliários – visa criar uma unificação de procedimentos, garantindo uma celeridade na análise técnica do regulador e maior segurança no mercado. 

Quanto à minuta de resolução proposta até o momento, além dos pontos apresentados acima, o regulador enfatiza sua preocupação com a governança corporativa, procedimentos de compliance e de segurança que deverão ser adotados pelas prestadoras de serviços de ativos virtuais para se adequarem às novas regulamentações. 

Dentre algumas questões de governança, as prestadoras de serviço deverão implementar uma política de governança visando assegurar o cumprimento da regulamentação, que deverá ser aprovada pelo Banco Central e submetidas a revisões periódicas. Ainda, no que tange à administração dessas sociedades, esta deverá ser realizada por, pelo menos, 03 (três) administradores.

Além disso, as instituições deverão, oportunamente, elaborar e apresentar para o Banco Central uma série de procedimentos e políticas internas, disciplinadas no Art. 34 da Resolução. Por exemplo, identifica-se a necessidade de estabelecimento de procedimentos de comunicação de operações suspeitas ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) e a identificação de dados de todas as pontas de transações, tanto de originadores, quanto de beneficiários (Art. 36 da Resolução). 

As prestadoras de serviço deverão observar também a separação patrimonial entre os ativos destas e o de seus clientes por meio de contas de pagamento ou de depósito individualizadas. A separação deverá ser prevista em política própria e a sociedade será submetida a auditorias independentes em bases frequentes e com divulgação pública para assegurar a conformidade dos procedimentos. 

Por meio desta separação, fica vedado o uso de ativos virtuais de clientes para operações próprias das prestadoras, conforme dispõe o Art. 25 parágrafo 1° e 2° da Resolução proposta. A única exceção seria para os casos de staking, ou o uso de ativos de investidores qualificados ou profissionais – conforme definidos pela Comissão de Valores Mobiliários – para essas operações. Essa exceção demonstra também uma maior proximidade de um mercado recém-regulado com diretrizes do mercado tradicional, por meio de equiparação de alguns conceitos do mercado de valores mobiliários.

O conceito de “uso de informação privilegiada” também foi introduzido na regulamentação por meio da Resolução na Subseção III, Art. 55, inciso II ao requerer que as prestadoras de serviços de ativos virtuais implementassem políticas de prevenção ao uso de informações que impliquem em eventual privilégio e realizassem procedimentos de auditoria independente para validarem a efetividade das medidas. Além disso, a Resolução menciona também a definição de uso dessas informações como: 

“Art. 55, IV – negociação com informações privilegiadas, que consiste na utilização de informações não divulgadas publicamente sobre um ativo virtual para a realização de negócios em condição de vantagem”.

Apesar de citado de forma embrionária, as prestadoras de serviços de ativos virtuais devem iniciar uma análise em suas operações e processos para identificar possíveis pontos de vulnerabilidade em relação a este tema e iniciarem a implementação de controles de acessos, divulgações e operações internas e com contrapartes externas para, paulatinamente, irem se adequando ao novo conceito inspirado no mercado tradicional.

Quanto aos próximos passos, as sociedades que já exerciam atividade de prestadoras de serviços de ativos virtuais (antes da entrada em vigor da Resolução) poderão continuar prestando os serviços. Todavia, estas sociedades também terão que solicitar autorização para o Bacen para se regularem e continuarem operando. A autorização deverá ser apresentada em uma data ainda a ser definida pelo Banco Central. 

No que tange às demais instituições que forem iniciar os serviços, posteriormente à publicação da Resolução, deverão solicitar autorização prévia do órgão regulador para, só então, estarem aptas a iniciarem as operações.

* Amanda Sixel é Especialista em Societário e Regulatório da Transfero